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Publicado em 15/12/2023 às 15:11, por:
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Os consumidores precisam se reconectar com as marcas

Sim, esta imagem foi meticulosamente escolhida para conseguir o seu clique (mas de forma orgânica, ou seja, gratuitamente). Se você tem mais de 30 anos, então há grandes chances de existir uma memória afetiva por essa imagem, e, consequentemente, o interesse sobre o que este artigo pode abordar. Mas se for mais jovem e sem o contexto do que esta imagem representa, eu poderia apostar que clicou sem ter percebido de imediato que as crianças estão segurando um produto, já que o elemento primário está na fofura que a peça representa.

Trata-se de um dos principais marcos na propaganda brasileira. A campanha MAMÍFEROS, criada pela DM9DDB para a Parmalat, é mundialmente reconhecida e citada pelos decanos da propaganda nacional como uma das obras primas da publicidade, criada por nós (brasileiros) para nós (brasileiros). Ela foi lançada em 1996 – e isso foi alguns anos antes da internet se popularizar nos grandes centros como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife etc. via conexões discadas, que ofereciam acessos gratuitos através das linhas telefônicas (um tempinho antes da disrupção causada pela telefonia celular).

Falo desse tempo com saudosismo pois nessa época as marcas investiram nas conexões com o público através da publicidade (usada para promover produtos/serviços com fins comerciais) e propaganda (ideias que formam pensamentos e moldam os comportamentos de consumidores). O impacto dessas campanhas mudava exponencialmente (termo que só foi cunhado em 2014) o patamar de corporações, consumidores e sociedade, através das mensagens que tinham o poder de transformar o emocional (evocando lembranças, sentimentos, desejos) em racional (gerando crescimento, desenvolvimento, receita).

Note: a campanha Mamíferos distribuiu mais de 500.000 bichinhos de pelúcia como um dos desdobramentos da estratégia (o que ainda é considerada a maior troca de “brindes” já realizadas no Brasil), consolidando na época a Parmalat como uma das três maiores empresas de produtos alimentícios, aumentando o faturamento de R$ 38 milhões para R$ 1.87 bilhão em 24 meses. Em percentual, representa um crescimento de aproximadamente 4.921%.

Perguntei para o ChatGPT quantos anos levou para a Apple aumentar seus resultados em mais 4.900%, e ele me contou que, partindo do ano 2000, a empresa atingiu esse patamar em 2022 – 240 meses a mais, mesmo com todo arsenal tecnológico disponível no século XXI.

As pessoas também fizeram fila no supermercado para comprar leite?

Não, nem de perto gerou esse efeito (que é comum nas pré-vendas dos dispositivos da Apple). Mas este não é o ponto desta reflexão, cujo protagonista é o awareness.

Resgato que o awareness se dá no momento em que a propaganda faz do conceito um gatilho, conscientizando (para usar a tradução livre do termo) o consumidor da existência de algo que a marca pode oferecer e, no mesmo momento, também ser desejada. Quando isso ocorre, se estabelece a conexão para uma jornada que pode levar minutos, meses ou até mesmo anos para que a conversão se materialize.

Um dos pontos marcantes que o avanço do marketing digital trouxe foi o desgaste desse primoroso trabalho que as agências entregavam ao criarem tais conexões poderosas entre marcas e consumidores, tal qual a Parmalat obteve na campanha dos Mamíferos, por exemplo. Sim, as conexões passaram a ser seguidores em perfis sociais (e em alguns casos considerando critérios puramente quantitativos – chamados indicadores de vaidade) e levam para esse público um volume considerável de conteúdos que são impulsionados para invadir a interação do usuário, com o principal objetivo que sobressai a qualquer outro: performance.

ROI, CTR, CPA, CPC etc. antes do awareness é o mesmo que o rabo abanar o cachorro

Sim, resultados são vitais para qualquer corporação e não é esse o meu ponto. Minha reflexão é sobre como isso saturou a indústria de comunicação ao ponto de não apenas o investimento de mídia dos veículos tradicionais migrarem para o digital, mas também o investimento orientado para criação, produção, experimentação etc. migrarem para links patrocinados, impulsionamentos e afins.

Os R$ 50.000,00 da rede social desta semana precisam aumentar meus seguidores em 10%. Os R$ 13.000,00 do orçamento diário no mix das campanhas no buscador precisa converter R$ 100.000,00 em compras no e-commerce. Os R$ 35.000,00 da campanha de vídeo precisa gerar o dobro de visualizações que o vídeo do concorrente – e poderia citar milhares de exemplos ilustrando as demandas no cotidiano dos profissionais de mídia digital, que cada vez menos se reúnem com atendimento, criação, planejamento, anunciante e outros agentes vitais para discutirem estratégias perenes e coerentes.

No fim, fica tudo por conta do algoritmo encontrar o consumidor que teve a epifania e acordou desejando comprar. Vale ressaltar que delegar para um algoritmo é somente uma das abordagens disponíveis, tanto para a multinacional alemã quanto para a lojinha de autopeças do bairro – e hoje está sendo utilizada como se fosse a única. Trata-se de probabilidades estatísticas orientadas à conversão em um universo de milhares de usuários naquele milésimo de segundo. Porém, esse usuário também tem potenciais demandas para outros interesses, e aí a propaganda digital estabelece esse tipo de conexão:

Quando as marcas voltarem a tocar o coração dos consumidores, o custo por aquisição despencará por um ROI exponencial

Acredito nisso pois foge à mente a última vez que vimos uma comunicação como a de Mamíferos. O mais próximo que me lembro foi com “Pôneis Malditos”, da lew’lara\TBWA para a Nissan, em 2011 – e foi incrível como eles inauguraram a estratégia de combinar a mídia de massa com as redes sociais. No entanto, em vez da indústria de comunicação aprimorar e extrapolar essas abordagens (que geraram conversões excelentes, diga-se de passagem), simplesmente fomos abandonando aos poucos para priorizar os KPIs e indicadores de vaidade.

Cada célula que existe em mim acredita cegamente nisso: nunca fomos tão engajados e estimulados por diversas ideias, causas e movimentos sociais. Meios como televisão, rádio, impresso, OOH, entre outros, são extremamente relevantes e pertinentes para influenciar os resultados de uma marca seja presencial ou virtual – e quem fala isso é um expert que trabalha desde 1998 com propaganda digital, especializado em inteligência artificial, big data e transformação digital.

O consumidor contemporâneo que é capaz de pesquisar e se especializar lendo depoimentos de outros compradores, estudar manuais de fabricantes, assistir horas de vídeos amadores que mostram o produto etc. não ficou incapaz de se emocionar com algo que gostaria de sentir em relação ao seu consumo. Na verdade, processamento quântico, internet 5G, veículos/ambientes autônomos, inteligência artificial ou qualquer outra tecnologia que nos poupa o tempo por executar uma determinada ação, deixam diversas lacunas de tempo disponíveis ao longo do dia. Que fantástico seria preencher esse espaço com um breve conto de 30 segundos como os que foram criados pelas agências para as marcas na virada do século XX para o XXI. Mas, em vez disso (a não ser que nada mude), continuaremos preenchendo tal lacuna com mais pesquisas individuais, gerando ainda mais matéria-prima para sermos analisados e leiloados em tempo real para quem puder pagar centavos a mais pelo nosso clique.

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